segunda-feira, 29 de abril de 2013

A aliança


Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De
qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a
crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou
a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das
pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício,
claro.
Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à
mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca
será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda
pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu.
Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se
para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no
jangal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que
provavelmente não funcionaria, resignação e reticências... Conseguiu fazer o
macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas
quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um
passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na
roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos
seus olhos, nos quais ele custou a acreditar.
Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a
pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e
respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
- Você não sabe o que me aconteceu!
- O quê?
- Uma coisa incrível.
- O quê?
- Contando ninguém acredita.
- Conta!
- Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
- Não.
- Olhe.
E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
- O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no
asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
- Que coisa - diria a mulher, calmamente.
- Não é difícil de acreditar?
- Não. É perfeitamente possível.
- Pois é. Eu...
- SEU CRETINO!
- Meu bem...
- Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei que aconteceu com essa
aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa.
Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em
que só um imbecil acreditaria.
- Mas, meu bem...
- Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro
do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha!
E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações.
Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito transito. Por que essa
cara? Nada, nada. E, finalmente:
- Que fim levou a sua aliança?
E ele disse:
- Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho
desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos
depois reapareceu. Disse que aquilo significava um crise no casamento deles, mas
que eles, com bom-senso, a venceriam.
- O mais importante é que você não mentiu pra mim.
E foi tratar do jantar.

Por Luis Fernando Veríssimo

Nenhum comentário:

Postar um comentário